sexta-feira, 1 de junho de 2007

03. O Tribunal dos Condenados



"A Mansão Falkenberg está longe?" - perguntou o homem moreno ao loiro de cabelos bagunçados, no banco da frente. Olhei pela janela. Estava no banco de trás, amarrado, e dos meu lados estavam dois homens que pareciam ser humanos... mas farejei algo estranho nos dois. Olhei pela janela. Estávamos passando por um bairro de classe média alta, o Água Verde. Enfim, pegamos uma restrita sequência de alamedas e ruelas arborizadas, e chegamos até o que parecia ser um grande casarão em estilo barroco. Fiquei o tempo todo em silêncio, anotando mentalmente cada detalhe.Toda a construção era cercada por um grande jardim, que era circundado por altos cedros ; e servindo como proteção ainda haviam grandes grades eletrificadas. Arbustos bem-podados e dois longos roseirais demonstravam a grande extensão do local.

Paramos o carro. O algoz do rapaz loiro deu-me um chute nas costas apenas para ter certeza de que eu não reagiria. Quis matá-lo, mas estava todo amarrado.

"Vá para o inferno" - vociferei. "Não tenham dúvidas que eu daria cabo de vocês se eu não estivesse amarrado. Covardes filhos da puta!"

"Poupe suas palavras para o tribunal, fugitivo. " - respondeu o loiro, rindo da minha ousadia desmedida. Os mortos riem, afinal.

Eles me levaram até o casarão. Olhei ao redor. Todas as janelas da mansão estavam cobertas por grossas cortinas de algum material que parecia veludo vermelho-escuro, mas era possível notar uma luminosidade lá de dentro. Olhei para a porta. Era uma porta dupla, feita de uma madeira escura que parecia ser muito resistente, com alguns detalhes em vidro colorido. Do lado, haviam dois homens parecidos com os que me guiavam, guardando o local. Haviam carros estacionados perto da mansão. Todos eles caríssimos, a maioria de modelo europeu.

Olhei para cima. Todas as janelas estavam cobertas......todas......menos uma. Era no terceiro andar, então por mais que eu tentasse não conseguia ver seu interior. Mas queria muito..... queria saber....olhei fixamente para o ponto, então algo estranho ocorreu. Como se por um mágico zoom fotográfico, consegui ver um homem próximo à janela. Estava amordaçado e amarrado no que parecia ser uma estátua de pedra sólida. O rapaz me observava, em desespero, com os olhos arregalados. Um condenado! E sua condenação seria morrer pela luz do sol, quando a manhã tocasse o firmamento.




E eu estava fadado a ter o mesmo fim! Tentei me desvencilhar da corda, mas estava amarrado de maneira tão inexorável que o máximo que consegui foi cair no chão e me debater como uma minhoca louca, e apanhei novamente por isso. Estava com muito ódio! Queria meter um soco na cara daqueles homens.

Enfim, fui levado ao interior da Mansão Falkenberg. Um enorme salão com duas escadas de madeira e uma estrutura que parecia um mezanino no alto. O local todo era decorado por carpês vermelhos, tapetes de fabricação renascentista e enormes brasões pintados com esmero em escudos de metal, além de muitas obras de arte raras. Algumas delas demonstravam vampiros, mas eram poucas. Em todas elas, poses de glória. De conquista.

Por todo o local haviam vampiros vestidos do jeito mais anacrônico possível: ternos renascentistas, sobretudos medievais, vestidos com o corte quadrado, trajes rendados, camisas vitorianas , broches de jóias e tudo quanto fosse possível. Alguns eram mais modernos, mas igualmente formais e reservados. Estavam todos reunidos em mesinhas, poltronas e divãs por todo o salão, bebendo despreocupadamente em cálices de cristal, ouro ou prata o precioso sangue humano.Alguns conversavam, ou sussuravam entre si coisas em português,francês, italiano, alemão, espanhol ou grego. Podia jurar que ouvi alguém falar em latim. Eu estava sedento. Olhavam-me com desdém. Alguns poucos pareciam preocupados, ou ansiosos. Algumas vampiras ou vampiros olhavam-me de maneira insinuante. Uma melodia estava sendo tocada num piano, em algum outro cômodo. Então, uma figura de cartola surgiu no mezanino. Segurava um cetro, ou bengala, com a cabeça de um chacal. Imaginei que fosse de prata. Todos se calaram, e se ajoelharam em ar de reverência.




Não fiz o mesmo. Levei um safanão do homem loiro.Ele se pronunciou à figura de cartola e a todos:

"Vossa Alteza, o Príncipe Ferdinando Dalgaard, do Clã Ventrue , da Corte Invictus ;declarou expressamente que qualquer progênie criada sem a sua autorização, dentro de seu domínio, DEVE ser trazida sob seu julgamento e eliminada sem demora. "

O Príncipe fez um sutil gesto de concordância, com a cabeça. Juliano continuou seu discurso.

"Logo, eu, Juliano Dalcorso, do Clã Gangrel, Xerife da cidade e Membro da Corte Invictus; trago este membro não-reconhecido do Clã Mekhet ao seu julgamento e mercê."

"Clã Mekhet -" - repeti em sussurro, anotando isso mentalmente.

Ferdinando olhou para mim, fixamente. Algo como uma sensação de frio extremo tomou conta do meu corpo. Não notei direito o seu rosto, porque tive medo de usar o " poder da ultra-visão" que descobrira que possuía quando da visão do homem condenado.Ele falou:

"Que tem a dizer sobre isso, forasteiro?"

"Isso é um absurdo! Não pedi para me tornarem nisto. Minha criadora me abandonou, e agora sou condenado a um destino pior do que a morte! "

O Príncipe exibiu seus caninos num sorriso sádico, impiedoso.

"E quem foi o responsável por criar esta criança da noite?"

Juliano respondeu:

"Amanda Trulleski, meu senhor. Ela não tinha autorização para estar na cidade. Recebemos uma carta da Corte Invictus de Paris e ela figura como uma anarquista procurada da Opção Carthiana. Ela está sob Caçada de Sangue, e além disso o senhor mesmo declarou que por esse mês seria proibida a criação de novos Membros em Curitiba; logo..."

"Logo, eu vou ser condenado por um ato que nem mesmo eu cometi! " vociferei, com raiva. "Que tipo de justiça é essa, meu caro lorde? Onde os filhos pagam pelo crime dos pais! "

A assembléia emudeceu-se, e mesmo o Príncipe pareceu refletir sobre a situação.Continuei meu apelo:

"Se esta é a justiça de vocês, ela está ultrapassada e morta, como todos neste salão. Acaso não estudaram os códigos, as leis e as jurisprudências atuais? As leis de vocês são ridículas, e se eu for julgado aqui, então a minha morte será a única coisa digna neste local. Vocês são fósseis, é isso que são! "

Um vampiro de aspecto religioso, vestido com algo que lembrava uma túnica medieval, gritou, indignado:

"Blasfêmias, blasfêmias contra vossa Alteza e a Corte! Morte a este insolente!"

"Ohhhh!" - suspiraram os presentes.

Respondi, protestando:

"Não , não estou, de forma alguma, blasfemando contra esta instituição ou contra o meu caro lorde. O que eu solicito, apenas, é um julgamento digno. Preciso de alguém que advogue por mim!"

Ferdinando parecia mais fascinado com esse discurso do que constrangido ou desafiado.Refletiu por minutos, e então um vampiro de aspecto vitoriano sussurrou algo em seu ouvido, por mais alguns minutos. Os presentes sussurravam coisas inaudíveis, como se por telepatia, e eu as ouvia todas.Enfim, se pronunciou:

"Minha criança. Você será poupado da morte final se jurar lealdade a Mim e ao Meu Domínio. Enquanto estiver dentro dele, estará seguro e ninguém lhe causará mal sem um julgamento justo dentro desta Casa. Poderá caminhar livre sob a Urbe, se não violar nossas leis de algum modo, e se me reconhecer como seu senhor e suserano"

Pensei por alguns momentos, e então, me ajoelhei, com ar de reverência. O Príncipe respondeu:

"Então, concedo-lhe a liberdade e o livre trânsito pela Urbe. Podes ir agora."

Juliano olhou para mim com ar de desprezo, mas afinal saí da Mansão Falkenberg.

Peguei um taxi e fui correndo ao meu apartamento. Liberdade.


Ah, Deus estava comigo!

Escapei de um destino mais terrível que a morte.

O mesmo não posso dizer daquele condenado. Pobre-diabo.

A única coisa que salvou minha vida foi a minha própria retórica, e talvez o conselho certo de alguém que tem planos para mim.

Eu me pergunto, que planos seriam esses? Tenho medo de saber. Mas quero.

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu não acho que a cena teria ocorrido da forma como ocorreu se fosse com meu narrador.. aliás... tenho certeza disso...

de qq forma,Pietro sobreviveu mais uma noite... e há um tutor sua espera... vamos ver o que lhe é reservado... :D

Anônimo disse...

"Os mortos riem, afinal".....Amei...Aliás, errei feio. Podia jurar que Pietro era um Daeva....

Soija Ferreira disse...

adorei a tua históra muito fix.
fica bem até um dia destes!
sou do clã terador...
kiss......