quinta-feira, 31 de maio de 2007

02. As Leis da Noite




Como eu disse ontem, faz dois meses que eu me tornei um Vampiro. Desde então, não tenho conseguido me adaptar direito a essa nova condição.... estou com medo.

Continuo trabalhando como um fotógrafo normal, mas mudei meu turno para a noite.O síndico do meu pequeno apartamento no centro anda desconfiando dessas minhas idas e vindas noturnas ao estúdio, e não sem razão. Minha pele está pálida demais, e quando tomo um banho a água do chuveiro me aquece, mas passa por mim como se eu fosse feito do mais duro mármore.

E esta sede, esta maldita Sede....

Sinto vontade de beber sangue.

Eu caminho pela praça Osório, próximo a onde moro, e o aroma do sangue das pessoas é como o perfume mais doce do mundo.É como se você vagasse por dias em um deserto sem qualquer vestígio de água e de repente, você visse pessoas carregando o néctar mais delicioso e gelado do mundo. Ou, usando uma metáfora melhor, como se você estivesse perdido em um domingo a noite numa cidade gelada, onde tudo estivesse fechado, e finalmente encontrasse um lugar 24 horas que servisse um cafézinho quente.

Mas não tenho coragem de tirar sangue das pessoas... é demais para mim. Meu refrigerador está lotado de carne sangrenta de animais, que eu compro em açougues. Mas aquele sangue é insosso, é como se alguém bebesse uma vodka sem álcool, ou um suco sem açúcar. No entanto, é a única coisa que pode me nutrir, por hora - eu tive o desprazer de vomitar todo o tipo de comida normal que provei, desde aquela noite.

Além disso, há algo estranho em mim... algo como uma besta, uma fera, um instinto predatório. Estou com medo. É como se uma sensação de perigo iminente tomasse conta do seu corpo, como se uma overdose de adrenalina se espalhasse por todas as veias, por todo o sangue. E eu as vejo, de relance. Pessoas como eu, escondidas entra a multidão, fingindo ser como ela. Pálidos, seus olhos brilham em diferentes cores no breu noturno: branco, roxo, lilás, vermelho, dourado, prateado, furta-cor, anil.

Parece que apenas eu consigo vê-los, e essa Mácula Predatória se faz presente toda vez que os vejo. Um instinto de rivalidade, de territorialidade. Eles, no entanto, parecem me ignorar. Desaparecem entre a multidão tão logo eu os vejo.Está frio, e eu consigo senti-lo sob a minha pele. Mas só isso. Ele não me afeta mais.

Criei um pouco de coragem. Voltei ao Curitiba Strings , talvez consiga driblar esse medo de minha "nova espécie".Desta vez, o local estava menos movimentado.Aquele tenebroso instinto tomou conta de mim. Outros Vampiros. E haviam humanos, também. Aquele era um bar de vampiros! Sentei-me no balcão. Os presentes fitavam-me maliciosamente. Conversei com o barman, um jovem de cabelos lisos.

"Aí, o que vai querer?"

"O de sempre" - respondi, em tom de seriedade.O jovem sorriu. Tinha cabelos brancos, e uma tatuagem nos braços.

"O de sempre, é? Hahahaha. Ok, a melhor safra para o novato" - ele serviu-me um líquido quente e rubro, que buscou de uma pequena sala atrás do balcão. "Você está de passagem pela cidade? Nunca o vi por aqui, cara."
Tentei manter a compostura.

"Estou à procura de minha criadora, Amanda...Trulleski... ela desapareceu. Sabe onde posso encontrá-la?"

"Perdeu o bonde, amigo. Essa Amanda não tinha permissão para estar na cidade."

"Como assim, permissão? Quem manda por aqui?" - O jovem riu ao ouvir isso.

"Aqui mando eu, Cristiano, o proprietário desse bar; mas se você está falando da cidade, oficialmente... ela é governada pelo Príncipe .Se ele não sabe que você foi criado, eu não queria estar no seu lugar..."

"Um Príncipe? Tipo, um governante?"

"Sim. Ele manda ,por assim dizer, nos vampiros de Curitiba. Toda a cidade pertence a ele...bem, quase toda. Sua senhora não lhe ensinou nada, não é? Você deve estar ferrado."

"Então me ajude, por favor" -supliquei - "Me diga o que preciso saber"

"Primeiro, você deve se apresentar ao Príncipe. Deve encontrá-lo, e jurar lealdade a ele. No seu caso, é melhor você fazer isso rápido, ou então alguém vai te fritar, cara. Depois que se apresentar, você poderá ficar mais tranquilo.Volte aqui e eu contarei o que você precisa saber" - fiz um movimento afirmativo, concordando.

"E onde posso encontrar esse príncipe?"

"Ele pode ser encontrado no...." -de repente, dois homens adentraram violentamente no bar. Ambos estavam vestidos com ternos e gravatas, portando celulares de última geração.Havia um loiro,alto, de barba mal feita e cabelo despenteado; e outro mais baixo, moreno, de compleição mais fraca.O loiro fez um sinal com a cabeça para o seu auxiliar em minha direção, e disse: "É ele o fugitivo, pegue-o".

Investi meu punho contra o rosto do homem, que era mais baixo que eu, mas de nada adiantou. Este era incrivelmente mais forte, e aplicou-me um soco em minha barriga. Me faltou ar. Cristiano gritou:

"Juliano, ele é inocente!"

O loiro respondeu, rugindo: "Cale a boca, seu anarquista nojento. Estou sob ordens do Príncipe."

Um tapa forte em minha nuca. Um Audi negro. Luzes da Cidade. São as últimas coisas que me lembro. Seja para onde eu esteja sendo levado, que Deus esteja comigo. Se ainda estiver.











quarta-feira, 30 de maio de 2007

01. Sangue e Borboletas : O Prenúncio de minha Morte.

Era uma noite fria de março, lembro-me muito bem. Ela deixou-me uma mensagem no celular.
Há dois meses atrás, fui contratado por uma bela mulher que apresentou-se sob o nome Amanda Trulleski. Nosso encontro se deu em um elegante, porém misterioso bar, o Curitiba Strings. Tratava-se de um lugar afastado da cidade, em algum beco escuro próximo ao Largo da Ordem, um bairro histórico e distinto de Curitiba. Era um lugar pequeno, e imaginei que não coubessem mais do que 300 pessoas ali. Foi razoavelmente difícil encontrá-lo, mas enfim o esforço valeu a pena.

Tratava-se de um elegante barzinho alternativo, algo mais para um pub londrino do que para um "lounge/bar" como o local se denominava. O balcão era rústico, feito de algum tipo de mármore negro. O chão era composto por pastilhas da mesma cor, e as paredes eram brancas. As banquetas eram de um vermelho fosforecente, e as mesinhas eram como as dos cafés europeus, pequenas, redondas e feitas de um mosaico de pastilhas. Duas coisas me chamaram a atenção no lugar: os clientes e a decoração. Esses vestiam-se elegantemente, como se estivessem em um evento da alta sociedade, e bebiam alegremente um drink rubro em taças do cristal mais fino enquanto conversavam. Imaginei que fosse vinho, ou bloodymary. A decoração era por demais macabra: nas paredes do bar, haviam grandes painéis em sépia apresentando cenas surreais: um violinista com a metade inferior do corpo decepada, exceto a vértebra, tocando violino como se estivesse vivo e concentrado em sua melodia; no outro, um jardim botânico permeado por um roseiral morto e espinhento, onde apenas suas rosas floresciam rubras; e no último, uma bela mulher de aspecto aristocrático e triste em frente a um espelho no qual sua imagem não aparecia, apenas suas roupas.Na hora, imaginei se o artista não fosse demasiadamente vanguardista ou sádico, ou coisa pior... enfim, o local todo era um jogo de vermelho, branco, preto e marrom.

Enfim, encontrei Amanda. Uma belíssima mulher de olhos e cabelos negros, em contraste com sua pele perfeitamente pálida e angelical, que parecia brilhar com o vestido azul-marinho que trajava.

Ela revelou-se como a filha de um renomado biólogo, e seguiria os passos de seu pai. Aventurou-se com ele na infância por diversos países, em busca de espécies raras de borboletas.Amanda queria que eu criasse um álbum fotográfico para registrar a coleção que havia herdado de seu pai.

No entanto, não havia um tom saudosista ou emotivo em suas palavras... havia algo de malicioso, cruel em suas feições.
Ela exibia um sorriso sutil... predatório.Não tive como reagir. Em metade de um instante, ela estava com seus belos lábios em meu pescoço... mas não era como um beijo, era uma tentação proibida, profana.Fiquei em êxtase. Depois, uma sede esmagadora tomou conta de mim. Uma sede...de sangue!

Não resisti ao ocorrido. Logo depois,desmaiei. Mas não foi um sonho. Sei disso. Acordei na cama do meu pequeno apartamento, no pôr-do-sol do dia seguinte.

Amanda, ou qualquer que seja o nome da minha amante, me abandonou. Não sei o paradeiro dela, nem porque me tornou nisto.

Meu corpo está preservado para sempre, e vivo como um fotógrafo de 26 anos viveria... com algumas exceções. Meu corpo e minha alma estão marmorizados, estagnados, como uma borboleta conservada no vidro.

E, tais como as borboletas das selvas inexploradas, agora uma enorme cidade infestada de seres noturnos espera para ser revelada por meus olhos e minhas lentes...